Moça, nós não somos rivais, nós somos a revolução!


Eu não sei bem quem disse essa frase pela primeira vez, mas ela é constantemente repetida pelas feministas de todos os cantos para lembrar da sororidade que deve existir entre as mulheres, já que a sociedade constantemente nos faz entrar em disputa umas com as outras, como se disputar pelo nosso devido espaço na sociedade já não fosse suficiente. Pois bem, essa frase me veio a mente enquanto eu participava das atividades do I Encontro Nacional de Mulheres de Arquibancada realizado no último dia 10 no histórico Pacaembu.

Nesse templo do futebol eu vi mulheres, meninas, senhoras e crianças de diversos cantos deste país. Cada uma de nós defende escudos e cores diferentes, mas ali todas juntas lado a lado tínhamos uma luta em comum: o respeito e a busca pelo devido espaço nas arquibancadas e no futebol.

Simone Beauvuir disse certa vez que: “O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela comporta-se como um ser humano ela é acusada de imitar o macho.”. Quantas de nós mulheres, amantes do futebol, não ouvimos que isso não é feminino? Futebol não é coisa de mulher. Olha você torcendo parece um homem…

Não sei quem foi que inventou essa história de que futebol tem gênero ou que qualquer coisa que seja é de homem ou de mulher. Mas infelizmente as mulheres que amam esse esporte em específico, ainda são vistas como masculinizadas ou que possuem segundas intenções ao gostar tanto do esporte.

A verdade é que cada uma dessas mulheres que estiveram no Pacaembu dividiram umas com as outras os dramas e dificuldades que encontraram e encontram ao longo da vida por amarem o futebol e seus respectivos clubes. Cada uma ali dividiu os dramas: do preconceito sofrido dentro de casa; o preconceito sofrido na arquibancada; o assédio; a desconfiança; a mãe que foi criticada por amamentar seu filho na arquibancada; a polícia militar que muitas vezes não está preparada para lidar com o público feminino nos estádios; a torcedora membro de organizada que não pode bandeirar ou trocar instrumentos porque isso “não é coisa de mulher”; a falta de representatividade feminina dentro os clubes; a falta do próprio futebol feminino…

Eu ouvi coisas até que não fazem parte da nossa realidade (que hoje somos um público das modernas arenas), mas ouvi mulheres do interior de São Paulo reclamarem que alguns estádios sequer possuem banheiros femininos. Ora, elas não estão pedindo um banheiro com espelho e florais perfumados, mas apenas e tão somente um vaso sanitário para poderem usar.

Entre tantos relatos que eu ouvi durante todo o dia eu vi quantas mulheres, antes de se inserirem neste mundo do esporte, reproduziam machismos diários, que elas mesmas viam com desconfiança quando uma torcedora nova aparecia na arquibancada ou na torcida. “Está atrás de macho”. Mas a verdade é que o nosso processo de desconstrução é longo e as mesmas mulheres que militavam pelos seus espaços na arquibancada e reproduziam frases como essa, hoje pararam para pensar o quão machistas eram esses pensamentos. A gente se desconstrói um pouco a cada dia.

Eu vi uma torcedora do Estado do Paraná falar que lá é difícil a temperatura estar a ponto de irem de shorts no estádio, mas que ela milita também pelo direito da torcedora lá do Rio Janeiro poder ir ao seu estádio com o seu shorts sem ser chamada de vagabunda.

Todas nós ali juntas vimos o quanto aquela sororidade deve se aplicar aqui no futebol também. Nesse caso, nós somos rivais por defendermos cores diferentes, mas não somos inimigas. O mesmo respeito que graças a Deus em sempre tive dentro do Allianz Parque eu quero que as mulheres tenham dentro da arena Itaquera, do Maracanã, do estádio no interior ou na Arena Amazonas. Porque essa é a nossa bandeira em comum, a nossa militância: o respeito.

De tudo que ouvimos das experiências que trocamos uma coisa ficou clara, apenas com enfrentamento das situações cotidianas é conseguiremos sacramentar cada dia mais o nosso lugar na arquibancada e no futebol. Pois foi assim que muitas mulheres mostraram as suas conquistas, sobretudo em torcidas organizadas mais jovens, onde não há essa diferenciação do que a mulher pode e o que não pode. Nenhuma conquista na história veio sem enfrentamento e sem luta e essa aqui não será diferente.

Nós somos a revolução sim, porque todo dia torcemos, brigamos, vamos ao estádio, comentamos o futebol e vivemos para os nossos times, quando a sociedade nos diz que isso é errado e que isso não é para nós. Um homem talvez nunca vá entender a dificuldade de simplesmente dizer a frase “eu gosto de futebol” sem receber dezenas de olhares interrogativos. Um homem nunca terá de saber a escalação do seu time em 1932 ou explicitar pormenorizadamente as regras do impedimento para provarem que realmente amam o esporte.

Eu vi mulheres novas que a cada dia mais militam pelo seu espaço e ensinam os seus filhos e ensinarão ainda os terão que o lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive, no estádio.

Eu vi mulheres de todos os times, de diversas cores de diversos cantos. Eu vi palmeirense, corintiana, são paulina e santistas lado a lado. Eu vi a colorada do lado da gremista. Eu vi a flamenguista do lado da vascaína, da botafoguense e da tricolor. Eu vi todos esses times lado a lado, convivendo pacificamente, militando no mesmo sentido, quando a Polícia Militar nos diz que é impossível reunir essas torcidas no mesmo lugar de maneira pacífica. Sim nós somos a revolução!

Nós não só temos que revolucionar o futebol para que cada dia mais eles nos aceite, mas como também somos a resistência ao futebol moderno ao mostrarmos que sim, nós podemos estar lado a lado de maneira pacífica e ainda lutando pelos mesmo ideais.

Nós não queremos “embelezar a arquibancada”, nós só queremos respeito ao nosso sagrado direito de torcer, sem medo de ser hostilizada ou assediada. Respeito.

Se tem uma coisa que o dia 10 de junho de 2017 foi é histórico. Cada uma de nós saiu dali com histórias, experiências e a certeza de que muito há que ser feito e conquistado, mas saímos com ainda mais certeza de que não desistiremos, a luta é e sempre será contínua!

Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive, na bancada!

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Fonte das imagens: Fanpage I Encontro de Mulheres da Arquibancada