Eu tinha 4 anos de idade quando falei a primeira vez que era palmeirense, segundo o que minha mãe me conta. Ainda pequena meu mais querido brinquedo era um porquinho de pelúcia com a camisa do Palmeiras que minha mãe tinha comprado em um camelô.

Sou nascida na década de 90, década que foi repleta de títulos e conquistas da Sociedade Esportiva Palmeiras e me recordo que na escola tinham vários colegas palmeirenses que sempre me incluíram em suas conversas sobre o time.

Nas aulas de educação física a gente jogava futebol juntos e eu, aos meus 7 anos, depois de ver o Palmeiras campeão da Libertadores, queria sempre jogar no gol, queria ser igual ao Marcos!

Pedi uma camisa do Palmeiras de aniversário que meu pai, torcedor de um rival, relutou muito em me dar, mas deu. Aquela camisa listrada da era Parmalat que muitos de nós temos tanto carinho até hoje.

Até aquele momento eu nunca tinha sofrido nenhum episódio de preconceito. Mas os anos foram passando e aquilo que todo mundo achou que fosse temporário e passageiro continuou. A inocência das crianças que até ali me acompanhavam mudou e eles não me deixavam mais participar da rodinha em que debatiam futebol e nem mesmo jogar futebol com eles nas aulas de educação física.

Em casa, ninguém entendia da onde via tanto amor. Eu sentava no sofá no domingo, ao lado do meu pai rival e queria assistir os programas esportivos. Ele não entendia, mandava eu ir fazer outra coisa, como eu a filhinha dele queria assistir Mesa Redonda e ainda tirar um sarro dele quando o Santos dele perdia? Foi aí que ouvi a primeira vez que “futebol não era coisa de mulher”.

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Naquela época eu fiquei muito chateada, meu pai nunca entendeu o meu amor pelo Palmeiras e o  meu amor pelo futebol, sempre me disse que isso não era coisa pra mim e que estádio não era meu lugar. Depois daquele dia meu pai nunca mais me deu nada relacionado ao Palmeiras, eu devia ter uns 10 anos e demoraram muitos anos até que eu pudesse comprar uma camisa nova do Palmeiras com o meu próprio dinheiro.

Na adolescência, fase muitas vezes cruel das nossas vidas, eu tive que aguentar os amigos repetirem sempre que futebol não era coisa de mulher. Se eu queria discutir com os amigos sobre futebol eu ouvia que eu não entendia nada do que estava falando, afinal, “futebol não é coisa de mulher”.

Quando cheguei ao Ensino Médio encontrei um grupo de meninas, cada uma torcendo para seus respectivos times, que amavam futebol e se não éramos, até então, bem-vindas na roda dos meninos, nós fazíamos nossa própria roda e discutíamos futebol juntas. E foi assim que, depois de tantos anos de preconceito, nós fomos respeitadas por aquelas pessoas que antes falavam que futebol não era coisa de mulher. Naquele momento nós éramos chamadas para discutir de igual para igual com os meninos.

Tudo que eu aprendi sobre futebol eu aprendi sozinha, assistindo programas esportivos e procurando na internet informações e detalhes. Me instrui e aprendi para nunca mais ter que ouvir que eu não sabia do que estava falando porque era mulher.

Aí você deve estar se perguntando, por que ela está contando essa história toda? Bom, queria mostrar que o preconceito da mulher no esporte e principalmente no futebol é algo inserido em nossa sociedade, em nossa criação. Dos olhos de menina que virou mulher adulta que ama esse esporte e o clube de coração percebi que quando a inocência infantil acaba, nós vamos reproduzindo aqueles preconceitos que são inseridos em nossa criação e foi depois de mais velha que sofri a primeira vez este preconceito.

Essa ideia é inserida na criação dos meninos e também das meninas. Os meninos ganham uma bola e a menina ganha uma boneca para brincar de ser dona de casa. Meninos ganham de presente a camiseta do clube e as meninas ganham a Barbie. E ambos escutam que futebol não é coisa de mulher.

Ao longo dos anos as pessoas duvidaram do meu amor pelo futebol ou eu gostava para impressionar os meninos ou eu não era feminina o suficiente e até da minha opção sexual alguns duvidaram. Mas para a frustração de alguns eu sou sim uma mulher heterossexual que gosta de futebol porque gosta e não para impressionar ninguém.

Mas quando uma mulher gosta de futebol, muitos tentam buscar algo que justifique esse gosto. Mas a realidade é que o gosto de futebol é inerente, nasce com a gente, gostamos por gostar como qualquer homem gosta. Futebol não é uma questão de gênero é coisa de quem ama o esporte e o seu clube do coração.

E ai quando te inserem, finalmente, no esporte te colocam com um objeto, a mulher que vai ao estádio embelezar a arquibancada entre outras frases machistas que somos obrigas a ouvir. Mas meu filho, eu não vou embelezar arquibancada alguma, eu vou é torcer pelo meu verdão.

Com toda essa trajetória que vivi ao longo da minha vida, percebi que muito ainda deve ser lutado para conquistarmos o nosso devido espaço no futebol, quer seja jogando, torcendo ou trabalhando com ele. Infelizmente, ser uma mulher que ama esse esporte ainda é mais difícil do que ser um homem que gosta dele.

Mas aos poucos estamos conquistando o nosso espaço. Cada dia mais aumentam o número de mulheres sócia-torcedoras, aumenta o número do público feminino nos estádios e no jornalismo estão parando com a ideia da gostosona para ler e-mail e fazer chamadas e estão colocando elas para comentar o esporte como qualquer um.

Futebol ainda é um campo para o empoderamento feminino e estamos chegando lá!

E você que ainda tem preconceito, vai ter que engolir ele, pois já somos  45% do público do Allianz Parque!

Futebol coisa de quem quiser!