IMPULSIVO, IRREVERENTE, INTENSO… DONO DE UMA PERSONALIDADE FORTE E AUTÊNTICA! NOSSO INESQUECÍVEL CÉSAR ERA MALUCO E DOIDO POR GOLS


O ano era 1966. A cidade, Rio de Janeiro.

O garoto César Augusto da Silva Lemos, nascido em Niterói, era apaixonado por futebol, pelo Flamengo e por Dida, craque do Rubro Negro na época. Tinha acabado de conseguir o seu grande sonho: uma chance de jogar nas categorias de base do time do coração. Aos dezoito anos, ele já sabia muito bem o que queria.

Seu talento com a bola nos pés era tão grande, que o clube viu nele a oportunidade de fazer negócio.

Um dia, ao chegar para o treino diário, foi comunicado de que seria emprestado ao Palmeiras. A notícia foi um “balde de água fria” para os planos do garoto, que sonhava em fazer carreira no Flamengo e continuar perto da família. A resposta que ele deu foi um “não”  sonoro e impulsivo, característica marcante de sua personalidade.

Eu não vou a lugar nenhum. Vou ficar aqui. Não quero jogar no Palmeiras. Eu vou jogar no Flamengo...”, disparou para o presidente, que em vão, tentava convencê-lo da mudança.

Mas o pai, seu melhor amigo e com quem ele sempre teve uma relação de carinho e respeito, lhe disse firmemente: “Vá para São Paulo! É lá que você terá a sua chance.” Sua resposta ao conselho paterno foi: “Como eu vou conseguir jogar num time que tem Valdir, Djalma Santos, Djalma Dias, Carabina, Geraldo Scotto, Ademir da Guia, Zequinha, Gildo, Servílio, Tupãzinho e Rinaldo, pai?”.

Ele se referia ao melhor time do Brasil!

A Academia de Futebol Palestrina

Palmeiras havia sido apelidado de “Academia de Futebol”, tamanha era a beleza e eficiência da equipe, porque vê-los jogar, era uma verdadeira aula de futebol. Não havia adversário que batesse o Verdão!

No dia 22/02/1967, César pisou em campo vestindo a camisa alviverde pela primeira vez, a oportunidade veio, porque o craque Tupãzinho havia se machucado. Nesse jogo o Palmeiras perdeu para o Universitário do Peru, por 1×0. O início pouco brilhante escondia o que iria acontecer…

Sim, o destino do garoto já estava escrito! Começava ali uma história de amor entre ele e o time de Palestra Itália. César nunca mais perdeu a titularidade.

Os jogos que se seguiram foram suficientes para mostrar a sua vocação para se tornar craque absoluto.

Mesmo sendo o caçula do grupo, ele conseguiu se entrosar rapidamente e ganhou o respeito dos companheiros de equipe. Aprendeu e ouviu com humildade, os conselhos dos veteranos, que lhe davam dicas sobre técnica e tática.

Aceitou inclusive mudar de posição, quando jogava no Flamengo, atuava como meia, mas o técnico alviverde disse que ele tinha características de centroavante e que iria jogar nessa posição. E foi assim que os gols começaram a aparecer.

No meio do povo: irreverente e revolucionário!

À medida que se sentia parte do clube e se adaptava à cidade de São Paulo, tão diferente do seu Rio de Janeiro, César ia se mostrando confortável e expressando a força de sua personalidade. Tinha um jeito todo peculiar e descontraído de comemorar os gols. Num jogo, depois de marcar, ao invés do clássico abraço com os colegas de elenco ele correu e subiu no alambrado, onde estava a torcida, para a surpresa dos companheiros, que ficaram sem saber o que fazer e para o delírio do fanático torcedor palmeirense. O estádio foi à loucura.

Era a primeira vez, na história do futebol brasileiro, que um jogador comemorava daquela forma, misturado com a torcida.

O nosso César era irreverente e revolucionário. Gostava de quebrar regras.

A cena, que hoje é copiada por alguns jogadores, passou a ser sua marca registrada, até que numa narração, o jornalista Geraldo José de Almeida, disparou, quando o viu pulando em cima dos torcedores: “Olha lá! O César Maluco!”.

Pegou. E como não pegar? Aquele apelido era perfeito para definir a sua intensidade dentro de campo e a explosão de alegria que ele proporcionava à torcida.

O inseguro garoto niteroiense, que chegara fechado e que no começo, não queria jogar no futebol paulista, se transformou em César Maluco, para sempre.

Essa loucura era pura genialidade, vê-lo jogar, era como estar em um verdadeiro espetáculo. A forma como conseguia estar na hora certa, no lugar certo, era impressionante. Oportunista e inteligente mostrava ginga e podia fazer qualquer coisa com a redonda. Virou peça fundamental do time.

Agora, o plano não era mais jogar bem, apenas para ser chamado de volta para o Flamengo. Agora, César era parte da Sociedade Esportiva Palmeiras, o coração já havia se vestido de verde e branco, e não demorou para que a diretoria fizesse a proposta de compra, trazendo-o de vez, para a galeria dos melhores.

Uma nova Academia de Futebol

Em 1969, nascia a chamada “Segunda Academia de Futebol“. Alguns jogadores da primeira formação haviam saído e outros estavam sendo contratados. Do time titular, ficariam apenas César Maluco, Ademir da Guia e Dudu. Eles eram a base do novo elenco e referência para os jovens jogadores que estavam chegando.

E quando o torcedor achou que já tinha visto o melhor, César e os seus companheiros surpreenderam.

inesquecível escalação, que todo torcedor alviverde sabe de cor, foi considerada o melhor time que o Brasil viu jogar.

Leão, Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, César e Nei.

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O Palmeiras é uma verdadeira sinfonia”, disse certa vez um comentarista, que não conseguia encontrar adjetivos para definir tamanha grandeza.

Imbatíveis, eles eram o único time da época, que vencia o Santos de Pelé, fato que faz César Maluco estufar o peito. E quando o assunto são os adversários, o jeito provocador, que sempre o acompanhou, entra em campo: “Como um dos maiores goleadores da história do Palmeiras, eu entrava em campo sempre com a certeza de que faria pelo menos um gol no Corinthians. A gente ficou sabendo que eles entravam com medo de jogar com a gente. Com todo respeito ao meu neto corinthiano, mas se eu estivesse jogando hoje, se a nossa turma estivesse jogando, o Corinthians ainda estaria na fila.” diz com um sorriso malandro, o nosso querido Maluco.

O time de César era feito de craques com um incrível talento individual. E de gigantes quando estavam juntos. Eles são inesquecíveis.

Enquanto jogou no Verdão, César Maluco comandou e mandou no ataque. É o segundo maior artilheiro da história do Palmeiras, com nada mais, nada menos que 180 gols. Gols, que são verdadeiras pinturas. Gols que já definiram partidas e ganharam títulos.

Como o que ele fez em cima do arquirrival. Depois de receber um lançamento perfeito de Dudu, ele consegue se livrar da marcação de dois, penetrar na área e chutar uma bomba indefensável. Foi ovacionado pela torcida, que gritava o seu nome.

Ou como aquele, contra o Atlético Mineiro dentro do Pacaembu, quando recebeu a bola de costas para a meta, girou com a bola dominada, livrou-se do marcador e chutou para matar o jogo. Palmeiras 2×0 Atlético Mineiro.

que torcedor poderia se esquecer do gol contra a Ponte Preta, também no Porcoembu, em que Divino ajeita a bola de cabeça e ele chuta na velocidade, de primeira, com a ponta da chuteira?

Até rimou! É… A sintonia do Maluco com a bola parece poesia.

Mais que um jogador

Certa vez, numa conversa com os jogadores mais novos, arrancou lágrimas dos recém-chegados ao dizer: “O Palmeiras é um time sério. Essa camisa que vocês estão vestindo é sagrada. Aqui a gente briga pela posição e joga até doente. E aqui não existe a palavra derrota. Nós sempre entramos para vencer”.

Esse era o espírito do time. Esse era o espírito de César.

A galeria de títulos pelo Palmeiras é grande e ele exibe com muito orgulho. Campeão Brasileiro e Campeão da Taça Brasil em 1967. Campeão Brasileiro em 1969, 1972 e 1973. Campeão Paulista em 1966, 1972 e 1974. Vice-campeão da Libertadores da América em 1968. Campeão do Torneio Ramón de Carranza (Espanha) em 1969.

Outro motivo de imenso orgulho é a passagem pela seleção brasileira, César Maluco disputou treze partidas com a camisa canarinha e participou do mundial de 1974.

Quando se lembra da história gloriosa que escreveu no Palmeiras, os olhos que já viveram setenta e uma primaveras se enchem de emoção e a irreverência dá lugar ao coração mole. O eterno dono da camisa de número nove, expressa todo o seu amor pelo clube que um dia o acolheu e que lhe consagrou: “O Palmeiras não é brincadeira, é um clube vencedor. Ele representa a minha glória. Se não fosse o Palmeiras, jamais teria esse carinho da torcida, não teria oportunidades que eu tenho até hoje, não teria conhecido amigos. Eu amo o Palmeiras”.

Mais que um ídolo, nosso César Maluco é um patrimônio da nossa história.

A César o que é de César: toda a nossa imensa e eterna gratidão por ter honrado o manto sagrado e abrilhantado todas as partidas com a sua maluquice e paixão desenfreada.

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Alê Moitas